Que é o Mabinogion? O título O Mabinogion foi usado pela primeira vez por Lady Charlotte Guest em sua tradução de doze contos medievais galeses publicada entre 1838 e 1849.
A forma Mabinogion surge no fim do conto Pwyll, Príncipe de Dyfed (Ac yuelly y teruyna y geing hon yma o’r Mabynnogyon, “Aqui termina este ramo do Mabinogion”, frase que também encerra os demais Ramos), mas, comumente, admite-se que o sentido do termo mabinogi, na origem significando apenas “infância”, tenha depois sido ampliado para abranger um conto sobre a infância de um herói em geral. Mabinogion seria o plural de mabinogi.
Antes das traduções de Lady Guest, somente os quatro primeiros dentre os doze contos eram conhecidos como Pedeir Ceinc y Mabinogi, “Os Quatro Ramos do Mabinogi”. Desde então, a palavra Mabinogion tem sido usada como um termo conveniente para designar todos os contos, com exceção de Hanes Taliesin, “A História de Taliesin”.
Os textos anônimos foram preservados no “Livro Branco de Rhyderch” (Llyfr Gwyn Rhydderch), escrito entre 1300 e 1325, e no “Livro Vermelho de Hergest” (Llyfr Coch Hergest), escrito entre 1375 e 1425, embora fragmentos desses contos já tenham sido encontrados em manuscritos do séc. XIII e acredite-se que tenham existido muito antes sob a forma oral. A questão da data de composição do Mabinogion é importante, pois pode demonstrar que é anterior à “História dos Reis da Grã-Bretanha” (Historia Regum Britanniae) de Geoffrey de Monmouth, sendo a evidência de que o folclore e a cultura galeses seriam muito mais antigos e resistentes.
O Mabinogion, desconhecido fora de Gales até a época de Lady Charlotte Guest, é uma parte da longa, consistente e gloriosa tradição da poesia galesa que merece ser melhor conhecida. Mesclada em seu contexto está a magia dos druidas, esses misteriosos “sacerdotes” célticos que mantinham as antigas tradições e fizeram com que o Mabinogion sobrevivesse à conquista saxônica e ao triunfo do cristianismo alcançado pela igreja romana e, depois, pela anglicana.
As lendas do Mabinogion
O Mabinogion propriamente dito consiste de quatro lendas, também chamadas “Os Quatro Ramos do Mabinogion”. Essas lendas são:
1. Pwyll, Príncipe de Dyfed (Pwyll, Pendeuic Dyuet, Primeiro Ramo): durante uma caçada, Pwyll encontra Arawn (“Língua Prateada”), Senhor de Annwn (o Outro Mundo da tradição céltica) e, como compensação por um insulto não intencional, oferece-se para trocar de lugar com Arawn e lutar contra seu inimigo Hafgan (“Verão Branco”). Pwyll passa um ano sob a forma de Arawn e ganha sua amizade graças a suas boas maneiras e pelo sucesso em sobrepujar Hafgan, assim obtendo o título de Penannwn (“Senhor de Annwn”). Ele se casa com Rhiannon, mas somente depois de derrotar Gwawl, o antigo pretendente. O casal vive feliz até o nascimento de Pryderi.
2. Branwen, Filha de Llyr (Branwen uerch Lyr, Segundo Ramo): Branwen casou-se com Matholwch, rei da Irlanda, e deu à luz Gwern, mas os irlandeses, que tinham sofrido um grave insulto feito por Efnyssien, meio-irmão de Branwen, quando a comitiva de Matholwch estava na Grã-Bretanha, vingaram-se obrigando Branwen a servir na cozinha do castelo, onde era agredida pelo cozinheiro. Ela criou um pássaro e enviou uma mensagem a Bran, seu irmão, rei da Grã-Bretanha, que veio com um frota para resgatá-la. Efnyssien lançou Gwern numa fogueira e seguiu-se uma batalha entre britanos e irlandeses; ela morreu de tristeza e foi supultada num “túmulo de quatro lados” nas margens do rio Alaw, em Anglesey. Seu mito, que tem uma forte semelhança com o de Cordélia, filha de Lear, é um tipo de Soberania, como fica óbvio quando sua história é investigada com profundidade. Quanto à Irlanda, ficaram vivas na ilha somente cinco mulheres grávidas, cujos filhos foram os fundadores dos Cinco Reinos.
3. Manawyddan, Filho de Llyr (Manawydan uab Llyr, Terceiro Ramo): Manawyddan ap Llyr é mencionado no conto Culhwch e Olwen como um seguidor de Arthur, mas, originalmente, é um deus marinho que corresponde ao irlandês Mánannan mac Lir. No Mabinogion, é irmão de Bendigeid Fran (“Bran, o Abençoado”), ficando sem terras depois da morte deste e tornando-se marido de Rhiannon. Ajudou a quebrar os encantamentos lançados por Llwyd sobre Dyfed como vingança pelo tratamento violento dado a Gwawl por Pwyll, primeiro marido de Rhiannon. Manawyddan é um homem engenhoso e um mestre artesão, capaz de ganhar seu sustento enquanto a terra está enfeitiçada. Como instrutor e homem de poder, ele fica no lugar do pai de Pryderi e herda as qualidades de Pwyll.
4. Math, Filho de Mathonwy (Math uab Mathonwy, Quarto Ramo): o filho de Mathonwy é tio de Gwydion, Gilfaethwy e Arianrhod e irmão de Penardun. Ele era onisciente, possuindo, entre outras habilidades, o estranho dom de ouvir tudo que era dito em seus domínios tão logo as palavras fossem transportadas pelos ventos. Era muito sábio, um grande rei. Neste conto, ele somente pode viver enquanto seus pés estiverem no colo de uma virgem, Goewin, a não ser em tempo de guerra. Como Gwydion provoca uma guerra entre Math e Pryderi, Math deixa-a temporariamente, sendo Goewin violada por Gilfaethwy, que nutria por ela uma paixão secreta. Para aliviar a vergonha da jovem, Math casa-se com ela e pune seus sobrinhos, Gilfaethwy e Gwydion, transformando-os em vários animais. É com a ajuda de Gwydion que Math cria Blodeuwedd com flores como noiva para Llew Llaw Gyffes, seu sobrinho-neto.
Sete outros contos foram associados aos Quatro Ramos:
O Sonho de Macsen Wledig: um imperador romano, Magnus Maximus (383-388 d. C.), conhecido na tradição galesa como Macsen Wledig. Geoffrey de Monmouth, que o chama Maximianus, diz que ele fez de Conan Meriadoc o governante da Bretanha Menor, na atual França. Neste conto, o imperador sonha com uma mulher desconhecida por quem fica apaixonado. Por fim, mensageiros finalmente informam que esta realmente existe em Cymru (Gales), de forma que Macsen deixa Roma para casar-se com ela. Seu nome é Elen. O Maximus histórico, subjacente à lenda, realmente serviu na Grã-Bretanha, mas levou muitas tropas da ilha em sua luta contra Gratianus, imperador do Ocidente, assim deixando a Grã-Bretanha sem proteção. Traços dos fatos permanecem nas lendas: os galeses retiveram seu nome, que aparece em várias genealogias de famílias nobres como uma conexão imperial. Os soldados romanos que partiam tomaram esposas estrangeiras, mas, conta a lenda, cortaram suas línguas para que não pudessem corromper o idioma britânico de seus filhos. Vemos assim como é antiga e poderosa a devoção dos Cymry (galeses) a sua linguagem.
Lludd e Llefelys: Lludd é filho de Beli e irmão de Llefelys. Foi o rei da Grã-Bretanha que reconstruiu a cidade de Londres, cujo nome vem do rei: Caer Lludd, Caer London. Três pragas caíram sobre a ilha: uma raça chamada Coranianos (genedyl y Coraneit, “a raça dos Coranianos”), que podia saber tudo que era dito; um grito que era ouvido a cada Véspera de Maio e que fazia murcharem as lavouras, matava os animais e crianças e deixava as mulheres estéreis e o desaparecimento dos mantimentos do rei. Lludd procurou conselhos junto a seu irmão, Llefelys, que lhe disse que os Coranianos seriam vencidos depois de beberem uma infusão de insetos esmagados em água; que o grito era provocado por dragões que seriam vencidos depois de se embebedarem com hidromel forte, sendo necessário enterrá-los exatamente no centro da Grã-Bretanha, e que o ladrão das provisões era um homem de poder capaz de lançar um feitiço de sono sobre a corte e, então, roubar toda a comida. Lludd venceu as três pragas e a paz da ilha foi restabelecida.
Culhwch e Olwen: Culhwch é o filho de Celyddon Wledig e sobrinho de Arthur. Sua mãe, Goleuddydd (“Dia Brilhante”), deu-o à luz depois de ficar apavorada com a visão de uma vara de porcos, de modo que ele foi chamado Culhwch, ou “Chiqueiro”. Seu pai casou-se outra vez depois da morte de Goleuddydd. A madrasta de Culhwch lançou um feitiço sobre ele para que não pudesse casar-se senão com Olwen (“a dos rastros brancos”), filha de Yspaddaden Pencawr (“espinheiro, chefe dos gigantes”), o gigante. Na corte de Yspaddaden, Culhwch recebeu trinta e nove anoethu ou tarefas impossíveis, que deveriam ser cumpridas antes de casar-se com Olwen, todas as quais foram cumpridas com a ajuda dos cavaleiros de Arthur. A principal tarefa era caçar o Twrch Trwyth, um javali gigante, para o que seria necessário o auxílio de vários cavalos específicos, cães de caça e homens, incluindo Mabon, o jovem miraculoso, cujo encontro é narrado nesse conto. Outras missões incluem a viagem de Arthur ao Outro Mundo para obter alguns dos Objetos Sagrados, ou Treze Tesouros da Grã-Bretanha – um feito que é também relatado num poema galês do séc. IX, o Preiddeu Annwn, “Espólios de Annwn”, atribuído ao bardo Taliesin. O poder de Yspaddaden é vencido e Culhwch casa-se com Olwen.
O Sonho de Rhonabwy: Rhonabwy adormece a sonha que Arthur e Owain estão jogando gwyddbwyll (um jogo de tabuleiro céltico) ante um campo de batalha. Durante o jogo, os cavaleiros de Arthur lutam com os corvos de Owain, mas os jogadores apenas continuam com seu passatempo, até que Arthur, impaciente por começar a perder, esmaga as peças. O jogo talvez simbolizasse uma batalha pela soberania.
Os contos “Culhwch e Olwen” e “O Sonho de Rhonabwy” despertaram o interesse dos estudiosos por preservarem tradições mais antigas do que o material arturiano. A narração de “O Sonho de Macsen Wledig” é uma história romântica sobre o imperador romano Magnus Maximus.
Três dos contos são versões galesas de romances arturianos que também aparecem no trabalho de Chrétien (ou Chréstien) de Troyes. Os críticos do séc. XIX acreditavam que os contos baseavam-se nos próprios poemas de Chrétien, mas as opiniões mais recentes inclinam-se a afirmar que as duas coleções são independentes, mas têm um ancestral comum:
A Dama da Fonte: Owain, inspirado pelo conto de Cynon (na tradição galesa, o filho de Clydno – um dos guerreiros de Arthur – e amante de Morfudd, irmã gêmea de Owain), sai em busca do Castelo da Fonte, que era guardado pelo Cavaleiro Negro. Ele atravessou o mais belo vale e viu um brilhante castelo numa colina. Depois de entrar nesse lugar sobrenatural, Owain derrota o Cavaleiro Negro e casa com sua viúva. Após um começo difícil, ele vence seu ressentimento e guarda o reino até que sua sede por aventuras o faz partir, deixando para trás a esposa. Dama da Fonte é também o título da condessa misteriosa no Yvain, de Chrétien de Troyes.
Peredur, Filho de Efrawg: na mitologia galesa, Peredur era o sétimo filho de Efrawg e o único do sexo masculino a sobreviver. Seu pai e irmãos morreram antes que ele atingisse a maioridade. Isso não impediu Peredur de tornar-se um dos cavaleiros de Arthur e suas muitas aventuras formaram a base para o Sir Percival posterior. Talvez por causa de sua posição como sétimo filho, Peredur era particularmente adepto de matar bruxas, que, em Gales, compareciam ao campo de batalha trajando armaduras completas. No fim de seu conto no Mabinogion, Peredur enfrenta a “líder das bruxas” e, com sua espada, rompe elmo e armadura em duas partes, enquanto as demais feiticeiras fogem.
Gereint, Filho de Erbin: Gereint é o rei de Dumnonia (reino que, no, período pós-romano, abrangia Devon, a Cornualha e outras áreas do sudoeste da Inglaterra) cujas aventuras são contadas nesta narrativa. No romance francês, o herói deste conto é Erec, mas, como este não é comumente conhecido em Gales, substituíram-no por Gereint. Este pode ser uma figura histórica, um primo de Arthur. Embora seja listado como contemporâneo desse rei, pode ter pertencido a uma geração anterior, pois o conto “O Sonho de Rhonabwy” diz que Cadwy, seu filho, era um contemporâneo de Arthur. O nome do pai de Gereint é citado como Erbin, mas, na Vida de São Cyby, Erbin é chamado seu filho. Em Culhwch e Olwen, encontramos os nomes de dois de seus irmãos, Ermid e Dywel. Gereint, suspeitando que sua esposa é infiel, força-a a acompanhá-lo numa exaustiva jornada de aventuras para testar seu amor e obediência a cada passo do caminho. Como outras fortes heroínas célticas, ela suporta calmamente sua provação, permanecendo leal e amorosa durante todo o tempo. Gereint finalmente sentiu “duas tristezas”, do remorso por ter desconfiado de sua esposa e por tratá-la tão mal.
Lady Guest também incluiu em sua tradução um oitavo conto (removido das traduções inglesas posteriores, que, no entanto, continuam a usar o termo Mabinogion), não encontrado nem no “Livro Branco de Rhyderch”, nem no “Livro Vermelho de Hergest”, mas em um manuscrito do séc. XVII:
Taliesin: seu nome significa “Testa Brilhante”. Foi um bardo galês e, de acordo com o mito, a primeira pessoa a adquirir a habilidade da profecia. Em uma versão da história, ele é o servo da feiticeira Cerridwen, uma deusa da fertilidade, mãe de Afagddu, o homem mais feio do mundo, e chamava-se Gwion Bach. Cerridwen preparava uma beberagem mágica que, depois de um ano fervendo, produziria três gotas que dariam a quem as bebesse toda a sabedoria do mundo. Essa pessoa conheceria todos os segredos do passado, do presente e do futuro. Ela queria dá-las a Afagddu como compensação por sua feiúra. Enquanto Gwion Bach cuidava do fogo sob o caldeirão, uma parte do líquido quente caiu em seu dedo e ele a sorveu ao sentir a dor. Eram as três gotas da sabedoria. Todo o líquido restante era veneno. A furiosa Cerridwen empregou todos os seus poderes mágicos para perseguir o menino. Durante a caçada, ele se transformou numa lebre, num peixe e num grão de trigo, que Cerridwen, metamorfoseada em galinha, engoliu, descobrindo-se então grávida. Mais tarde, Gwion, renascido de Cerridwen, foi jogado ao mar e apanhado numa armadilha para peixes, quando passou a chamar-se Taliesin por causa de sua testa brilhante.
Os “Quatro Ramos” são, essencialmente, histórias medievais e seus personagens comportam-se, falam e vivem de modo muito semelhante a sua audiência do séc. XIV. Suas maneiras são (em geral) corteses e refinadas, invocam freqüentemente o deus cristão e suas roupas incluem brocados, sedas, toucados e outros itens medievais. Contudo, ainda que sejam produto de uma sociedade cristã da Idade Média, os Quatro Ramos baseiam-se também numa visão de mundo profundamente pagã, proveniente de tradições e crenças das culturas neolíticas e da Idade do Bronze, bem como da Idade do Ferro céltica e da era romano-britânica.
O Mabinogion é verdadeiramente uma peça encantadora da literatura galesa, que abre caminho a fantásticas narrativas dramáticas capazes de encher a mente do leitor com a vibrante e imaginativa natureza do povo céltico. As duras realidades históricas são transformadas por uma sensibilidade sonhadora, que submete a mente com um imaginário antigo e primitivo, verdadeiro para a percepção mítica dos celtas.
Tradução Bellouesus Isarnos
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