Avalon, a terra dos Deuses, um reino e amor e beleza, a busca constante de todo ser humano que cultiva a esperança e a possibilidade de fazer deste mundo uma lenda real, um lugar melhor para se viver, tal como Summerland – a terra do eterno verão, a Hy Breasil ou simplesmente o Outro Mundo.
“Os galeses optaram por Ynis Afallach como tradução para Avalon.”
Christopher Gidlow
Para os irlandeses o Outro Mundo é Tir na nÓg, a ilha da Eterna Juventude, descrito no conto irlandês de Oisín e Niamh. Aos galeses o Outro Mundo é Annwn, Ynys Afallach ou Avallach das lendas arthurianas. E para os gauleses o Outro Mundo é Avallon, a ilha das Maçãs, o fruto responsável pela imortalidade, o local onde a doença e a morte não existem. A ilha de Manannán Mac Lir, Emhain Abhlach.
Para nós, o Outro Mundo é Avalon, associado aos seres mortais e imortais ou feéricos, como as Tuatha Dé Danann, e ao lendário Arthur e seus companheiros, Morgana, Nimue e Merlin, o mago. Um local paradisíaco onde a música, a dança, a arte, o belo e todas as atividades prazerosas se reúnem.
“A Terra da Promessa é uma espécie de paraíso celta, às vezes, chamado Emain Ablach, nome no qual se encontra o termo que designa as macieiras, e que remete para a ilha de Avalon da lenda arthuriaria.” Por Jean Markale em A Grande Epopéia dos Celtas.
A maçã representa a eternidade, o conhecimento e a magia. Existem vários relatos referentes a sua simbologia e as viagens célticas ao Outro Mundo pelo mar, conhecidas como Immrama (plural), supostamente uma dimensão contígua à realidade comum, uma herança da tradição irlandesa e galesa.
Echtrae (aventura) é uma jornada mística, na qual o herói é atraído por uma fada e o convida para ir ao Outro Mundo, como em A Viagem de Bran Mac Febal, uma analogia a narrativas compiladas em textos medievais sob forte influência cristã. “Além disso, é de se crer que a mulher feérica que entrega um ramo de macieira de Emain ao herói Bran, filho de Febal, antes de levá-lo a empreender uma estranha navegação, seja a própria Morrigane.” Conforme nos diz Jean Markale, no livro A Grande Epopéia dos Celtas.
Outro Immram relata A Viagem de Maelduin e a busca do herói pelos assassinos do seu pai. “Na tradição céltica, dois fatores são constantes: o Outro Mundo que fica do outro lado da água; e a direção da jornada, geralmente, a Oeste.” Descrito por Caitlín Matthews em O Livro Celta dos Mortos.
Tor em Glastonbury – Inglaterra
Avalon também recebe o nome de Ilha Afortunada, pois suas colheitas são fartas e abundantes. Diz a lenda que era governada por Morgana e suas nove irmãs, sacerdotisas guardiãs do caldeirão do renascimento capaz de curar todos os males, além de evocar as brumas para entrarem na ilha encantada.
Avalon é Caer Siddi, o Outro Mundo galês (Annwn), as colinas do Síde, Daqueles Que Vivem Para Sempre. A Ilha feérica, onde apenas o povo nobre do Sídhe e os cavalheiros de alma pura podiam adentrar.
“Existia em Caer Siddi uma fonte que jorrava vinho doce e onde o envelhecimento e a doença eram desconhecidos. Entre os seus tesouros havia um caldeirão mágico, tema diretamente ligado à abundância existente na Ilha das Maçãs.” Comentado por Ellis, 1992 – citações de Geoffroy de Monmouth em Vita Merlini.
Na mitologia céltica existem vários contos sobre as três propriedades inesgotáveis do caldeirão: inspiração, regeneração e fertilidade. O Grande Dagda possuía um caldeirão proveniente da cidade de Múrias. Ao provar dele, ninguém passava fome, (Ellis, 1992). Matholwch recebera o caldeirão do renascimento do Deus Bran e com ele era possível ressuscitar um morto, mas que perderia a capacidade de falar. (Mabinogion, 1988). Na arqueologia temos o Caldeirão de Gundestrup e sua incrível arte, com temas célticos e de estilo trácio.
“Na tradição galesa a história de Taliesin oferece um exemplo do caldeirão do renascimento, após a luta de transformação e metempsicose – transmigração da alma de um corpo para outro – entre Cerridwen e Gwion.” Por J. A. Macculloch, no livro A Religião dos Antigos Celtas.
O caldeirão deu origem ao mito do Graal nas obras de Chrétien de Troyes. Com a sua cristianização em fins do século XII, o conteúdo do cálice passou a ser o sangue de Cristo. Simbolizando o conhecimento e o alimento da alma. A propósito da temporalidade do Outro Mundo, representada pela “Insula Pomorum”, a Ilha Paradisíaca, onde a passagem do tempo não é percebida pelos humanos que para lá vão, como pode ser visto nos relatos sobre Bran, por exemplo. Como descreveu o historiador francês Jacques Le Goff.
A ilha sagrada de Avalon não existe nas dimensões de tempo e espaço conhecidos por nós. Ao longo dos séculos, as pessoas tentam localizá-la, em locais como: a Irlanda, o País de Gales, a Cornualha, a Bretanha e a Ilha de Man. Sendo conhecida como a Fortaleza das Fadas ou Caer Siddi, a extensão do Outro Mundo ou a Tir na nÓg dos irlandeses.
A cidade de Glastonbury em Somerset, na Inglaterra, é correlacionada a Avalon através dos seus mitos e lendas locais, assim como a colina do Tor com a entrada do Annwn (Outro Mundo), a terra dos mortos na tradição galesa, o lar de Gwynn ap Nudd, governante e guardião do submundo.
Ao descer a colina em espiral do Tor, em meio aos carvalhos, chega-se a “Chalice Well Gardens”, os Jardins do Cálice Sagrado, onde existe uma fonte de água avermelhada com propriedades curativas, reforçando o mito do Santo Graal e o poder mítico do renascimento dos Deuses, descrito no Livro de Taliesin, antiga coletânea de poemas em galeses.
O Templo de Avalon
Invisíveis aos olhos descrentes, as brumas revelam seus mistérios apenas aos que servem o princípio maior da honra, junto aos Deuses. A lenda se torna realidade, mas o medo como sempre é o grande desafio daqueles que estão na travessia deste portal, prestes a desvendar os segredos do Outro Mundo.
Avalon é o templo interior, a terra da magia e do saber ancestral, que oferece iniciação e esclarecimento a todos que ingressam nesta jornada. Somente aqueles que compreendem que a vida é infinita em suas possibilidades poderão abrir as portas deste mundo.
Avalon se apresenta nos corações daqueles que são sinceros e seguem o que lhes foi traçado pelos Deuses. Nunca duvide daquilo que foi revelado. A luz do conhecimento é a divina inspiração que nos chama a todo instante ao sagrado caminho, mas somente nós é que poderemos tecer o fio deste destino.
O universo nos coloca, sincronicamente, em caminhos que irão modificar não apenas a nossa existência, mas toda a realidade que nos cerca.
A espiritualidade é a energia presente em todos nós, é a essência da vida que nos leva ao equilíbrio e a plenitude. Através da sensibilidade e da intuição começamos a discernir aquilo que é melhor e o que realmente faz a nossa alma vibrar.
Avalon é a lenda que nos desperta para uma nova realidade!
Avalon e o Ciclo Arthuriano
As lendas e os mitos tornam os nossos dias mais reais e cheios de magia… Os primeiros registros sobre Arthur, conforme o historiador Christopher Gidlow no livro “O Reinado de Arthur – da História à Lenda”, diz que ele viveu entre os séculos V e VI e liderou os bretões contra o avanço saxão no cerco da Colina de Badon (supõe-se estar localizada além de Kent e Essex, na Inglaterra). O filme “Rei Arthur” retrata um pouco deste contexto.
Alguns textos históricos datados após o ano de 400 d.C. e que o descrevem Arthur, são:
– “De Excidio Britanniae” (A Destruição da Bretanha), de Gildas, no ano 500 d.C.
– “Historia Brittonum” (Histórias dos Bretões), de Nennius, no ano de 829 d.C.
– “Annales de Cambriae” (Anais de Gales), texto compilado a partir de várias fontes, por volta do ano de 977 d.C.
Chegando finalmente à “Historia Regum Britanniae” de Godofredo de Monmouth, que escreveu sua história em 1135 d.C. e detalhou as façanhas do Rei Artur, mesclando o histórico ao mítico e lendário.
Ainda há referências, mais antigas sobre Arthur, relatadas no Mabinogion no conto de: Culhwch e Olwen.
O folclore em torno das tribos celtas, a cultura e o imaginário popular são repletos de referências sobre civilizações perdidas, como o povo ancestral dos Reinos do Mar da Atlântida e suas ilhas submersas de Caer Ys e Lyonesse, supostamente, como sendo os ancestrais de Avalon. Segundo as lendas arthurianas, a terra natal de Tristan e o local da batalha final entre Arthur e Mordred.
Em Glastonbury, o Caminho Espiral em volta do Tor e o poço Chalice Well, no desenho da tampa com uma lança ou espada dividida entre dois círculos, possivelmente, uma referência a Excalibur, e que nos remetem a Avalon, Morgana, Arthur, Camelot, os Cavaleiros da Távola Redonda e a busca do Graal, relacionando-o à Pedra Filosofal dos alquimistas, à Fênix grega e ao Caldeirão Celta do Renascimento. Uma linha muito tênue, onde dois mundos tão distintos se encontram. Avalon é o despertar natural desta consciência. A fonte inesgotável da sabedoria. O reencontro dos Deuses dentro do nosso templo sagrado. Awen!
Rowena A. Senėwėen ®
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Referências bibliográficas:
GIDLOW, Christopher – O Reinado de Arthur – da História à Lenda – Ed. Madras, 2004.
MACCULLOCH, J.A. – A Religião dos Antigos Celtas – Edinburgh: T. & T. CLARK, 1911.
MATTHEWS Caitlín – O Livro Celta dos Mortos – Ed. Madras, 2003.
MARKALE, Jean – A Grande Epopéia dos Celtas – Ed. Ésquilo, 1994.
SQUIRE, Charles – Mitos e Lendas Celtas – São Paulo: Ed. Nova Era, 2003.
VITA MERLINI – Geoffrey de Monmouth, traduzido por John Jay Parry.
"Três velas que iluminam a escuridão: Verdade,
Natureza e Conhecimento." Tríade irlandesa.