Primeira Batatha de Moytura
Diz as lendas que as Tuatha Dé Danann[1] chegaram à Irlanda vindos em uma nuvem mágica durante o Beltane, provenientes de quatro cidades: Falias, Gorias, Findias e Murias. Nestes lugares aprenderam as ciências, estudaram muitos ofícios e adquiriram múltiplas habilidades com seus respectivos sábios (Morfessa, Esras, Uiscias e Semias). Cada cidade tinha um mestre como um rei e as Tuatha Dé Danann levaram quatro joias mágicas até a Irlanda, como talismãs.
De Falias levaram uma pedra chamada Lia Fáil (a Pedra do Destino), sobre a qual os primeiros Reis da Irlanda assentaram-se. A Lia Fáil, uma pedra oracular, mostraria sua aprovação com um estrondo, se o monarca certo fosse eleito. Era profetizado que onde aquela pedra estivesse um monarca reinaria. De Gorias veio a Gáe Assail ou a Lança de Assal. De Findias veio a espada mágica de Nuada e de Murias, o Grande Caldeirão de Dagda, que poderia alimentar um exército e ainda continuar cheio de alimento.
Chegaram primeiramente ao Noroeste de Connacht e marcharam para as Colinas Vermelhas, onde os Firbolg os descobriram em um acampamento fortificado. Irritado com os intrusos, o povo Firbolg mandou um guerreiro chamado Sreng para conversar com eles. As Tuatha Dé Danann enviaram Bres, filho de Erin ou Ériu, para encontrar-se com Sreng. Os dois homens examinaram-se com cuidado.
As Tuatha Dé Danann tinha lanças que eram claras e afiadas, enquanto as do Firbolg eram pesadas e sem corte. Bres propôs que a Irlanda fosse dividida igualmente entre os dois povos e para dar forma à aliança, defenderiam a terra de qualquer outro povo que tentasse se estabelecer ali. Finalmente, trocaram armas e retornaram aos seus acampamentos.
Entretanto, os Firbolg não aceitaram a oferta das Tuatha Dé Danann. Na planície de Moytura, que significa “A Planície das Torres” ou monumentos sepulcrais, eles entraram em combate. Nuada guiou as tropas das Tuatha Dé Danann e o rei dos Firbolg, chamado Eochaid mac Eirc, conduziu seus guerreiros. Durante a batalha, Nuada[2] foi golpeado pela espada de um soldado inimigo e seu braço foi separado do corpo. As Tuatha Dé Danann ganharam a batalha e o rei Eochaid foi morto.
Após a batalha eles firmaram um acordo de paz; aos Firbolg foi dada a província de Connaught, e as Tuatha Dé Danann espalharam-se pelo resto da Irlanda. Nuada seria o rei dos Dananns, mas seu corpo imperfeito não permitiu que obtivesse o título, então outro homem chamado Bres[3] foi escolhido para ser o rei. Ainda que Bres fosse um homem forte e bonito, era um rei fraco, pois permitiu que os Fomorianos retomassem o poder na Irlanda. Cobrava altos impostos e não mostrava nenhum respeito pelos druidas, bardos ou poetas.
Bres era filho de Ériu e do rei fomoriano Elantha. Durante o seu reinado foi se tornando cada mais tirano e injusto, chegando a reduzir Dadga e Ogma em meros serviçais. Um dia o poeta de nome Corpry foi até a corte de Bres. Ele foi hospedado em uma cela escura e pequena, sem nenhum calor ou conforto. A ele foi servido bolo seco, e não lhe foi dado nenhuma bebida. Poetas possuíam poderes mágicos naquele tempo, e podiam amaldiçoar alguém com suas palavras, e Corpry amaldiçoou Bres com esta sátira poética:
“Um prato de comida a ser servida, Bres ficará sem. Sem o leite da vaca para o bezerro, sem um teto para quando vier a escuridão, e sem os bardos para alegrar a multidão. Que estas sejam as condições de Bres.”
Estas palavras foram repetidas com prazer pelo povo da Irlanda, e Bres foi obrigado a abandonar a coroa. Neste tempo, com a mágica de Diancecht[4], Nuada substituiu seu velho braço por um de prata e, desde este dia, ficou conhecido como Nuada do Braço de Prata. Então, foi permitido que ele se tornasse novamente o rei no lugar de Bres.
Bres se viu em profundo ódio por sua mãe Erin, a quem implorou por saber sua linhagem. Ela revelou que seu pai era Elatha, um Rei dos Fomorianos, que veio até ela numa noite, e na sua partida deu-lhe um anel. Elatha disse a Erin que não desse aquele anel a ninguém, somente ao homem em cujo dedo ele caberia. Erin colocou o anel no dedo de Bres e ambos rumaram para o palácio real fomoriano.
Elatha reconheceu seu anel, e deu a Bres um exército com o qual deveria retomar seu reino na Irlanda. Disse ainda que ele deveria procurar a ajuda de outro rei fomoriano chamado Balor[5]. Este era chamado de Balor do Olho Maligno, pois poderia matar qualquer homem a quem olhasse com raiva. Era um homem velho e sua pálpebra pesava tanto sobre seu olho mortífero que necessitava de vários homens com cordas e polias a fim de levantá-la, para que ele pudesse matar seus inimigos[6]. Contra a tirania de Balor, as Tuatha Dé Danann continuavam a lutar, mesmo sobre a liderança de Nuada, e esperavam por um salvador.
Balor ouviu uma profecia druídica, na qual ele foi advertido que seria morto por seu neto. Sua única filha era Ethlinn, e para evitar tal destino, aprisionou-a numa imensa torre em Tor Mór, na Ilha de Tory. Doze mulheres a vigiavam e tinham ordens de não permitir que ela jamais olhasse para o rosto de um homem, e neste local, Eithlinn tornou-se uma bela mulher.
No sul da Ilha de Tory, viviam três irmãos – Kian, Sawan e Goibniu[7]. Kian possuía uma vaca mágica, cujo leite era tão abundante que todos tinham inveja dele e desejavam sua vaca, e Balor era uma dessas pessoas.
Um dia, Kian e Sawan chegaram à casa de Goibniu, para que novas armas fossem forjadas. Kian dirigiu-se à forja, deixando Sawan guardando a vaca. Mas Balor apareceu, sob a forma de um pequeno garoto de cabelos vermelhos, dizendo a Sawan ter ouvido o irmão dizer que usaria o melhor aço para sua própria arma, deixando o metal comum para Sawan. Enraivecido, Sawan correu para dentro da casa, e Balor fugiu com a vaca, levando-a para a Ilha de Tory, no condado de Donegal.
Kian ficou perturbado por sua perda e procurou a druidisa Biróg, que o levou à Ilha de Tory vestido em roupas de mulher. As guardiãs de Eithlinn pensaram ser uma nobre que tinha chegado à costa com a ajuda da druidesa, fugindo de algum sequestrador e ofereceram abrigo a ela. Enquanto isso, Biróg fazia as guardiãs dormirem com um feitiço. Kian ganhou acesso à princesa Eithlinn e ela deu a ele seu amor. Logo, as guardiãs descobriram que ela estava grávida.
Temendo a fúria de Balor, elas convenceram Eithlinn que tudo não passava de um sonho, mas no devido tempo, ela se tornou mãe de três filhos e a notícia chegou a Balor. Enfurecido, ordenou que os três fossem afogados num dos redemoinhos da ilha. No caminho para cumprir suas ordens, um dos homens de Balor carregava os três infantes envoltos numa manta, mas uma das crianças caiu numa pequena baía. As outras duas foram realmente afogadas, e o homem de Balor disse então ter cumprido devidamente o seu trabalho. A criança que caiu na baía foi resgatada por Biróg, que a devolveu ao seu pai, Kian. Este o deu a seu irmão Goibniu, que ensinou ao garoto a sua profissão. O nome da criança era Lugh. [8]
Anos mais tarde, ele veio até a porta do palácio real de Tara. Um porteiro perguntou a ele o que podia oferecer ao Rei Nuada. “Eu sou carpinteiro”, disse Lugh. “Nós não precisamos de um carpinteiro, já temos Luchta, filho de Luchada”, respondeu. “Eu sou ferreiro”, foi a resposta. “E sou guerreiro também”, disse Lugh por fim. “Não precisamos de um”, disse o porteiro, “já temos o melhor guerreiro – Ogma”[9]. “Lugh então disse a ele que era poeta, um bardo, um homem das ciências e médico; mas a cada vez era dito que um já residia no castelo”. “Então”, disse Lugh, “pergunte ao Rei se ele necessita dos serviços de um homem que pode fazer todas estas coisas com perfeição, se não, irei embora agora mesmo”. Após isto, a porta foi aberta e o porteiro recebeu Lugh. Ele foi chamado de Lugh Ildánach, pois era um homem com todos os dons e todas as habilidades.
Lugh trouxe com ele muitos presentes mágicos, como o barco de Manannán[10], que poderia ler o pensamento de um homem e levá-lo para onde quisesse. Além do Cavalo de Manannán (Enbarr), que podia viajar sobre terra e mar. Trouxe ainda a espada chamada Fragarach, aquela que poderia cortar qualquer armadura. Com estas coisas, Lugh chegou à conferência onde os chefes das Tuatha Dé Danann deveriam prestar homenagem aos opressores Fomorianos, e os Dananns sentiram como se o Sol da Primavera surgisse na escuridão de inverno, e ao invés de prestarem homenagens, atacaram os Fomorianos, e todos eles foram mortos, exceto nove deles, que retornaram para dizer a Balor sobre o desafio dos Dananns. Balor preparou-se para a batalha e instruiu seus guerreiros que vencessem os Dananns.
Lugh também se preparou para a batalha, mas precisava de mais alguns objetos mágicos para assegurar a vitória. Kian foi mandado a Ulster para invocar os guerreiros de lá. No caminho cruzou as planícies de Murthemney, onde conheceu três irmãos, Brian, Iuchar e Iucharba. Eram todos os filhos de Turenn, que odiava Kian, pois suas famílias estavam em guerra. Kian transformou-se num porco, e juntou-se a vários outros que se encontravam na planície. No entanto, os irmãos o descobriram, e Brian o espetou-o com uma lança. Kian, sabendo que seu fim estava próximo, suplicou aos irmãos que permitissem que ele voltasse a sua forma humana, para morrer como um homem.
Brian, o mais velho, concordou. Estando frente aos irmãos como um homem, Kian disse, “Eu retiro de vós o espírito! Pois se matardes um porco, devereis pagar com o sangue de um porco, mas se matardes um homem, devereis pagar com o sangue de um homem. As armas com as quais serei morto contarão esta lenda àquele que deverá me vingar”. “Então, não deveremos matá-lo com armas”, disse Brian, e apedrejaram-no à morte e enterraram seu corpo.
Logo depois, quando Lugh passava no local, as pedras gritaram e contaram-no a história da morte de seu pai, Kian, nas mãos assassinas dos filhos de Turenn. Lugh descobriu o corpo de seu pai, e levou-o a Tara, onde contou o caso a Nuada, que permitiu que os filhos de Turenn fossem executados ou que Lugh escolhesse receber um pagamento. Lugh então, pediu o seguinte: três maçãs, a pele de um porco, uma lança, dois cavalos e uma biga, sete suínos, uma cachorrinha; um espeto para cozinhar e, finalmente, darem os três gritos no alto de uma colina.
Quando os filhos de Turenn ouviram, sentiram algum alívio. Lugh declarou que as três maçãs seriam aquelas que crescem no Jardim do Sol, no leste do mundo; a pele do porco seria uma pele mágica que cura qualquer ferida ou doença, além de transformar água em vinho e que pertencia ao Rei da Grécia; a lança seria uma lança venenosa do Rei da Pérsia, conhecida como Iubhar (Teixo); os cavalos pertenciam ao Rei Siogar, fortes como Enbarr e a biga é puxada por eles; os sete suínos pertenciam ao Rei Asal dos Pilares Dourados, que poderiam ser mortos e comidos todas as noites e serem encontrados inteiros no dia seguinte; a cachorrinha que pertencia ao Rei Ioruaidh, no país do frio; o espeto que pertencia às mulheres da Ilha Inis Fianchaire; e os três gritos deveriam ser dados na colina de Miodhchaoin, que não permitia que nenhum homem elevasse sua voz sobre a colina. Para se livrarem da pena de morte, os filhos de Turenn deveriam cumprir todas essas tarefas.
Havia cumprindo todas as tarefas, exceto pegar o espeto das mulheres e dar os três gritos na colina, quando Lugh enfeitiçou-os para que esquecessem as tarefas restantes e retornassem à Irlanda com seus prêmios. Após receber os presentes, Lugh lembrou os três irmãos das tarefas restantes.
Deprimidos, foram eles completá-las. Brian, numa roupa mágica feita de água, dirigiu-se para a Ilha submersa de Fianchaire, e roubou o espeto dourado das mulheres. Finalmente, eles deveriam dar os gritos na colina protegida pelos guerreiros. Após uma grande batalha contra os protetores do silêncio da Colina de Miodhchaoin, os três irmãos, caíram fatalmente feridos, elevaram as vozes e sua dívida foi paga. Eles foram à Irlanda, onde seu pai Turenn suplicou que Lugh usasse a pele mágica para curá-los; mas ele se recusou, e os irmãos morreram.
Segunda Batatha de Moytura
Agora, Lugh estava preparado para a Batalha contra os Fomorianos. A batalha voltou a acontecer em Moytura onde uma vez as Tuatha Dé Danann derrotaram os Firbolg. Goibniu, o Ferreiro, Crédne[11], e Luchta, reparavam as armas dos Dananns com uma rapidez mágica. Não foram necessários mais do que três batidas de martelo para que Goibniu fizesse uma espada ou uma lança, enquanto Luchta fazia os punhos onde elas seriam imediatamente encaixadas, e Luchta arremessava os punhos tão rapidamente, que estes voavam para seus lugares. Todos os homens feridos eram instantaneamente curados pela pele mágica.
A planície ressoou o clamor da batalha: “Amedrontador era o trovão que caia sobre o campo de batalha; o grito dos guerreiros, a quebra dos escudos, o brilho e o confronto das espadas; a força e a música, a harmonia dos dardos voando e o canto vindo das lanças.”
E assim as Tuatha Dé Danann estavam prontas para lutar contra os Fomorianos. Uma semana antes de Samhain, quando a batalha já estava bem próxima de acontecer, Dagda viajou para o norte, ao chegar no rio Unshin, ele avistou Morrighan se banhando no rio. A atração foi muito grande e os dois se uniram em amor. Depois deste encontro, Morrighan revelou o local exato onde os Fomorianos iriam desembarcar.
O grande dia da batalha chegou, entre armas e encantamentos. Os Fomorianos marcharam para Moytura, onde se encontravam as Tuatha Dé Danann, liderada por Dagda, Ogma e Nuada, junto com as Deusas Badb, Macha e Morrighan. Por fim, o confronto teve início e o massacre sanguinário começou.
Os Fomorianos trouxeram seu líder Balor, e ante o seu Olho Maligno, Nuada e muitos outros Dananns caíram. Mas sua pálpebra caia com facilidade, e vendo esta oportunidade, Lugh aproximou-se de Balor, e quando a pálpebra co meçou a levantar-se, ele lançou uma enorme pedra nele, que penetrou o cérebro de Balor, matando-o. A profecia havia se cumprido, e Balor tinha sido morto pelo seu neto. Os Fomorianos foram expulsos, perdendo o poder sobre a Irlanda para sempre e Lugh foi eleito rei após a morte de Nuada.
Os Fomorianos fugitivos capturaram a harpa de Dagda. Mas Dagda, Ogma e Lugh perseguiram os Fomorianos até um grande salão de banquete. Dagda chamou sua harpa cantando: “Ó doce murmúrio! Venha dos quatro ângulos, do Carvalho das duas floradas, venha verão, venha inverno, das cordas da harpa, gaitas e flautas.”
Imediatamente a harpa voou para suas mãos, matando nove Fomorianos que estavam em seu caminho. Então, Dagda tocou três nobres acordes em sua harpa, que todos os grandes harpistas sabiam tocar: “O Acorde do Lamento”, que fez seus ouvintes chorarem; “O Acorde do Riso”, que fez com que estes rissem e festejassem; e “O Acorde do Sonho”, que fez todos dormirem. E desta forma, os três Dananns escaparam dos Fomorianos.
As deidades celtas eram tribais por natureza e cada tribo deveria ter seu próprio nome para cada divindade em particular. Por isso há uma grande diversidade de nomes encontramos na Mitologia Celta. Nas lendas das Tuatha Dé Danann aprendemos que os Deuses eram divindades de sabedoria, dons mágicos, artes e profissões manuais. As três coisas que eles reverenciavam acima de tudo eram: o Arado, a Aveleira e o Sol, uma vez que consideravam muito as esferas da Terra, as esferas dos Mistérios do Céu e as esferas do Espírito do Mar, como sendo de igual importância.
Morrighan declara vitória as Tuatha Dé Danann e declama uma poesia, que começa assim: “Paz para o céu, Céu para a terra, Terra abaixo do céu. A força entre nós.” Logo em seguida, ela fez a profecia do fim do mundo.
Assim inicia o reinado de Lugh, que no final da guerra tornou-se rei da Irlanda e governou a ilha por 40 anos em paz, o terceiro soberano da Tuatha Dé Danann, após Bres e Nuada. Seu filho mais famoso foi CuChulainn.
Apesar da liderança e inovação de Lugh, com assembleias pacíficas e jogos, a sua história termina em tragédia. Cermait, filho de Dagda, teve um caso com a Buach, esposa de Lugh e ele o matou. Os filhos de Cermait – Mac Cuill, Mac Cécth, Mac Gréine – então afogaram Lugh em um lago que passou a se chamar Lugborta. Dagda inconformado como a morte do filho, encontra uma clava que traz Cermait à vida. Por isso, Dagda foi nomeado o próximo rei da Tuatha Dé Danann e durante o seu longo reinado houve muita prosperidade.
Entre ciclos e contos, o filho e sucessor de Dagda, Bodb Derg, foi iniciado em todos os mistérios e encantamentos. Ele ajudou Aengus[12] a encontrar a donzela de seus sonhos, Caer Ibormeith. E transformou Aoife em uma criatura do ar, após ela trair a confiança de Lir[13] – O Destino dos Filhos de Lir.
Bodb tinha duas filhas, Scathniamh que deu seu amor a Caoilte, um guerreiro dos Fianna; e Sabd a mulher-cervo que amava Fionn mac Cumhaill. Alguns se opuseram ao reinado de Bodb, especialmente Midir, outro filho de Dagda. O orgulhoso Midir, tinha três vacas mágicas e um caldeirão mágico. Era descrito como um nobre príncipe de grande esplendor e beleza. Foi Midir que levou Etain ao Outro Mundo – O Cortejo de Etain.
As Tuatha Dé Danann são conhecidas como “Os Que Sempre Vivem”, pois conhecem o segredo da imortalidade. Assim, ninguém envelhece, pois são sustentados pelos porcos mágicos de Manannán e a cerveja de Goibniu, o Ferreiro. A arte do ferreiro é tida com muita estima pelos Deuses. As armas feitas da forja divina de Goibniu nunca perdem o seu fio. Goibniu sobrevive nas lendas irlandesas como “Goibniu Saor” o arquiteto lendário e o construtor de pontes da Irlanda.
Entre eles havia um médico muito especial, Diancecht. Ele era o guardião da fonte da saúde, juntamente com sua filha Diarmaid. Qualquer um que fosse morto ou ferido deveria ser colocado na fonte para viver e estar bem, novamente. Foi Miach, filho de Diancecht, que fez um braço de prata para Nuada, mas Diancecht em seu ciúme matou-o. A irmã Airmid plantou 365 ervas em sua horta e arranjou todas conforme suas propriedades, mas Diancecht tirou todas por sua ordem. Podemos ver que apesar de ser o Deus da Medicina, Diancecht tinha aspectos destrutivos. Existem horas em que a destruição é necessária para a preservação da vida.
Diancecht uma vez salvou a Irlanda; isto aconteceu desta forma: Morrighan deu à luz a uma criança tão terrível que Diancecht advertiu que ela deveria ser destruída. Dentro de seu coração encontraram três serpentes que, se tivessem sido deixadas vivas, destruiriam a Irlanda. Então, queimou as serpentes e depositou suas cinzas no rio mais próximo, que ferveu até secar.
Diancecht tinha outro filho, Kian, como vimos anteriormente foi pai de Lugh Lamhfada. Kian tinha uma vaca mágica que o Rei fomoriano, Balor, roubou. Determinado a vingar-se, Kian ouviu o conselho da druidisa Biróg, que lhe disse sobre a profecia, onde Balor deveria ser morto por seu neto. Por esta razão Balor mantinha sua filha, Ethlinn presa numa torre. Com a ajuda de Biróg, Kian ganhou acesso à torre, e a bela Ethlinn deu a ele o seu amor. Deste amor três filhos nasceram, mas somente Lugh sobreviveu, que foi dado à adoção para Tailltu, a rainha Firbolg e quando jovem, foi apadrinhado (Fosterage) por Manannán Mac Lir.
Os dois grandes rios da Irlanda, o Boyne e o Shannon, têm esses nomes graças as duas Deusas: Boann e Sinend, a neta de Lir. Boann é a Deusa da fertilidade, cujo totem sagrado é a vaca. Ela era esposa de Nechtan, uma deidade da água, entretanto, Aengus era filho do Dagda. Para esconder essa união do marido Nechtan, Dagda enfeitiçou o Sol por nove meses para que parecesse ser apenas um único dia, desta forma Aengus foi concebido e nascido no mesmo dia. Após o parto, quando Boann se arrependeu da traição, ela foi até o Poço de Sagais para se lavar. Chegando no local, Boann dá três voltas ao seu redor no sentido anti-horário, considerado como um movimento de mau agouro. Então, as águas enfurecidas carregam seu corpo até o mar, causando a morte da Deusa e que acabou nomeando este rio.
Já o rio Shannon nasceu quando Sinend foi até um poço onde caiam as avelãs da sabedoria, em busca da ciência e da poesia, mas sem o devido preparo. Quando de repente, as águas subiram furiosas e levaram-na até costa, onde ela morreu e deu o seu nome ao rio. Nas lendas irlandesas, o mito das avelãs da inspiração e do conhecimento são associadas às águas de nascentes. Sendo assim, o que nos é mostrado é que não é preciso procurar saberes para satisfazer a mera curiosidade, ou alimentar o ego, pois tal saber sobrepujará aquele que não está preparado. No entanto, procurando de forma diferente, Shinend foi aceita pelo guardião do poço, apesar de ser obrigada a sacrificar seu ego e identidade para o bem de algo maior.
Outra Deusa fortemente associada com a água é Cliodna (Cleedna) dos cabelos loiros, ela é considerada uma das rainhas do Síd, assim como Áine, a filha de Manannán. A onda de Cliodna é um dos três grandes tipos de ondas que ocorrem na Irlanda. Ela deixou os domínios de Manannán uma vez, acompanhada por seu amante, Ciabhan (Keevan), mas Manannán chamou por ela e a trouxe de volta à terra das fadas. Ela continua a ser lembrada como uma grande e justa rainha.
É interessante notar que Morrighan foi considerada uma das Deusas irlandesas mais antigas, ela podia aparecer como uma bela rainha ou na forma de um corvo negro, considerada a Deusa da guerra. Há ainda muitas outras Deusas associadas com a soberania da Irlanda. Na época da chegada dos milesianos, a Deusa da terra era representada por três grandes divindades regentes, conhecidas como Erin, Banda e Fodhla. Uma dessas rainhas tinha dado seu nome à Irlanda de Erin ou Eire, nome irlandês para Irlanda.
Após serem derrotados pelos pelos Filhos de Míl ou Milesianos, durante a Batalha de Tailtiu, as Tuatha retiraram-se para as colinas subterrâneas (Síd). Os mitos continuam a nos encantar e podem ser encontrados nas florestas e nas terras da sabedoria do Outro Mundo. Esperamos sinceramente que você também possa ser capaz de encontrar um caminho para estar mais perto daqueles “Que Vivem Para Sempre”… Slán!
Glossário do texto:
[1] Tuatha Dé Danann – Conforme o Livro das Invasões (Lebor Gebála Érénn), eram conhecidos como a Tribo do Deuses de Danann, divindades míticas das muitas habilidades, que habitam as colinas do síde.
[2] Nuada – rei das Tuatha Dé Danann; perdeu a mão na primeira batalha de Mag Tuireadh (Moytura) e, assim, precisou abdicar do trono porque os reis celtas tinham que ser absolutamente perfeitos; no entanto, Miach e a irmã Airmid fizeram uma mão de prata para ele, que recuperou o trono e passou a ser conhecido como Argetlamh, ou o Mão de Prata.
[3] Bres – filho de pai fomoriano e mãe Tuatha Dé Danann; casou-se com Brighid (Brig), filha de Dagda (O Bom Deus), devido a uma aliança entre dinastias. Tornou-se rei dos Tuatha, mas não tinha a generosidade necessária e perdeu o título quando foi satirizado pelo bardo Cairbre ou Corpry que ficou com o rosto cheio de bolhas e acabou restaurando o trono à Nuada. Isso levou a uma nova guerra entre os Fomorianos e as Tuatha e à consequente vitória destes, na Segunda Batalha de Magh Tuireadh (Moytura).
[4] Diancecht – o Deus da cura das Tuatha Dé Danann. Tinha um filho (Miach) e uma filha (Airmid), que fizeram a Mão de Prata, substituindo a que Nuada tinha perdido na Primeira Batalha de Maigh Tuireadh (Moytura).
[5] Balor – o rei dos Fomorianos, esposo de Ceithlenn; pai de Eithne ou Eithlinn, portanto, avô de Lugh, o jovem Deus brilhante que o suplantou. Possuía um olhar mortal; nas lutas, havia a necessidade de quatro homens para levantar a pálpebra de Balor. Na Segunda Batalha de Magh Tuireadh (Moytura), Lugh matou Balor utilizando-se de uma funda para atirar uma pedra naquele enorme olho. O equivalente galês é Beli.
[6] Balor também é conhecido como “Olho do Mal”, porque o olhar de seu único olho podia matar, como um raio, aqueles a quem ele olhava com raiva.
[7] Goibniu – ferreiro das Tuatha Dé Danann; com Crédne e Luchta formavam o “Trí Dé Dana”; fez as armas que as Tuatha usaram para derrotar os Fomorianos. Equivalente a Govannon galês.
[8] Lugh – filho de Cian (Kian) das Tuatha Dé Danann e Eithne, filha de Balor (rei dos Fomorianos). Comandou as forças das Tuatha na vitoriosa Segunda Batalha de Mag Tuireadh (Moytura) contra os Fomorianos e matou o avô Balor. Ele tem vários epítetos associados à habilidade e à técnica, é conhecido como Lugh Samildanach (de muitas artes) e Lugh Lámhfhada (de mão comprida). Raiz da palavra gaélica que significa Agosto (Lúnasa), isto é, Lughnasadh (festa de Lugh). Corresponde ao Lleu Llaw Gyffes galês.
[9] Oghma – Grianaineach (Aquele que tem o semblante do Sol), Deus da sabedoria dos irlandeses, um das Tuatha Dé Danann filho de Dagda, inventou a escrita oracular ogâmica (Ogham). Essa escrita apareceu por volta do século IV d.C. Oghma não era nenhum erudito enclausurado, traço característico de uma sociedade guerreira para a qual a ousadia e a agilidade de pensamento nos assuntos de guerra eram de máxima importância. Oghma também era vencedor de batalhas, como seu equivalente galês Ógmios.
[10] Manannán Mac Lir – é o filho do Deus do mar, deu nome à ilha de Man, onde é cultuado. Filho de Llyr. Tinha um barco puxado por um cavalo chamado Enbharr, que significa “Espuma de água”. Possuía um caldeirão mágico que lhe foi roubado por Cuchulain. O equivalente galês é Manawyddan.
[11] Crédne – um dos artesãos das Tuatha Dé Danann que trabalhava com bronze; com o ferreiro Goibniu e o entalhador Luchta, fez as armas com que as Tuatha derrotaram os Fomorianos.
[12] Aengus Mac Óg – Jovem Deus do amor, filho de Dagda e de Boann, Deusa do Rio Boyne. “Mac Óg” significa “filho da virgem”, no sentido da mulher livre cuja posição depende de si mesma, e não de um simples consorte. Com um estratagema, Aengus conseguiu que o pai lhe desse Brugh na Boinne (Newgrange), com a ajuda de Manannán. Muitas vezes Aengus ajudou Diarmaid e Gráinne a fugirem da vingança de Fionn Mac Cumhal. Raptou Etain, esposa de Midir. Aengus Óg conheceu uma mulher de sonhos na Terra das Fadas. Durante um ano ela apareceu em seus sonhos tocando um instrumento de cordas mágico que o fazia cair no mais profundo dos sonhos. Querendo encontrar sua fada durante o dia, ele ficou doente de paixão, sem saber aonde ela ia ao amanhecer. Por fim, soube que uma vez a cada dois anos, sua amada adquiria a forma de um cisne branco, num determinado lago. No dia 31 de outubro, dia consagrado à Samhain, ele dirigiu-se até o lago e chamou a sua amada, prometendo ficar com ela. Ela se aproximou e imediatamente o Deus foi transformado num cisne.
[13] Llyr – na mitologia galesa é o Deus do Mar, equivalente a Lir, o Senhor irlandês do mar. Llyr era pai de Bran, Branwen e Manawydan.
Referências bibliográficas:
Compêndios da Sociedade Irlandesa de Estudos Celtas
Primeira parte: Manuscritos da Biblioteca da Universidade de Dublin
Segunda Parte: Sociedade Irlandesa de Estudos Celtas
Fonte para pesquisa:
As Crônicas de Inis Fál: vol. 1 – Leonni Moura
Pronúncia em irlandês: Tionscadal Abair.ie
Créditos da imagem: Jen Delyth
Adaptação e revisão:
Rowena A. Senėwėen
(Texto atualizado em 20/11/2020)
"Três velas que iluminam a escuridão: Verdade,
Natureza e Conhecimento." Tríade irlandesa.
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