Olwyn Blwyddyn (pronuncia-se O-LU-IN BLU-I-DIN) significa “Roda do Ano” em galês e é uma proposta de calendário com oito datas sazonais comemorativas (e um acréscimo cultural) que provieram da minha curiosidade na cultura e mitologia céltica, principalmente do País de Gales, tendo em vista as práticas do Druidismo Moderno. Desde o retorno do druidismo enquanto filosofia e crença através de intelectuais interessados na cultura, literatura e história celta, grupos e pessoas se propõe a delimitar um estilo de calendário cíclico de acordo com os antigos rituais sazonais dos povos célticos, tendo em vista adaptá-los ao mundo contemporâneo. Sendo assim, vemos o calendário sazonal druídico moderno como um constructo que mantêm e também reinventa de forma criativa ricas e diversas tradições milenares.
O calendário sazonal da Olwyn Blwyddyn está dividido em costumes festivos tradicionais célticos galeses, dos quais são dispostos em quatro rituais relacionados diretamente aos equinócios e solstícios denominados de Alban (Luz) derivados das práticas litúrgicas das Gorseddau galesas nos estudos de Iolo Morganwg, duas datas relacionadas à transição do ano chamadas de Calan (Calendas), mais duas datas ligadas a festividades e jogos com o nome de Gwyl (Festival/Feriado), e a data do ano novo alinhada com o calendário comum que tem sua nomenclatura derivada dos antigos costumes desse período, o Calennig (Presente/Primeiro Dia) – uma espécie de ano novo.
Os druidas modernos também delimitam o hemisfério do qual pretendem alinhar sua ritualística, se pelo Hemisfério Sul ou pelo Hemisfério Norte, já que a ordem das datas da Roda do Ano muda conforme uma realidade regional. Algo relevante a se refletir antes de fazer essa decisão é lembrar sobre a sacralidade local e sobre como nossa espiritualidade está ligada as manifestações da natureza na paisagem e nos nossos sentidos físicos e sensoriais. Assim, é bem claro que um druida moderno tem o dever de recorrer a sua realidade climática, cultural e da natureza do entorno, não pretendendo-se ser restrito ou engessado em tradicionalismos.
Nesse sentido, não será adequado realizar um ritual de inverno enquanto a natureza está pulsando com o verão. Além disso, alinhar-se aos ciclos naturais dos quais fazem parte da sua identidade local o fará perceber muito melhor o seu interior em confluência com as ondas de transformação. Lembre-se, a prática filosófica do druidismo não tem por objetivo que você fique perdido no tempo-espaço, e sim que você se encontre nele, conectando-se as forças ancestrais célticas e a natureza do seu coração.
Abaixo um breve resumo das oito festividades da Roda do Ano e suas tradições principais sob o foco da cultura galesa, onde pretende-se uma introdução aos costumes, características e associações de cada data comemorativa.
Calan Gaeaf
Calendário Nortista: 01 de Novembro
Calendário Sulista: 01 de Maio
Calan Gaeaf (pronuncia-se KA-LAN GA-EV) pode ser traduzido do galês como “Primeiro dia do Inverno”, considerada uma Ysbryd Nos (Noite dos Espíritos), onde os espíritos estão soltos e do qual deve se evitar nas suas vésperas os cemitérios, encruzilhadas e colinas, lugares mais propensos para reuniões de espíritos que podem sequestrar os vivos. Outro costume é o Coelcerth, do qual consiste em fazer uma grande fogueira e cercar com pedras, dos quais as pessoas escreviam seus nomes e dançavam pela noite. Se alguma pedra faltasse pela manhã, significava uma morte próxima. É também uma data onde podem ser avistadas as Hags, bruxas poderosas e míticas. Em algumas regiões os costureiros e alfaiates são associados à feitiçaria. Uma data também voltada às profecias, pela tradição do Eiddiorwg Dalen, do qual se colhem folhas de Hera para ter sonhos proféticos. Um dos espíritos mais temidos é a porca preta Yr Hwch Ddu Gwta, que sequestrava e devorava as almas das crianças. O Twco Fala é um jogo ou brincadeira feita nessa época do ano, consistindo em uma bacia contendo maçãs, onde o participante tem as mãos amarradas e usa a boca e os dentes para capturar uma maçã flutuante. Sem falar nas tradições relacionadas aos costumes de uso de fantasias de terror e brincadeiras de assustar, mais contemporâneas e ligadas a festa moderna do Halloween.
Alban Arthuan
Calendário Nortista: 21 de Dezembro
Calendário Sulista: 21 de Junho
O urso foi um animal amplamente reverenciado pelos povos celtas e a prova disso é que encontramos o culto a deidades como Artio e Artaius na Gália, personagens míticas e heróicas como o Math Mathonwy e o próprio Rei Arthur no País de Gales e as estatuas ursinas da Catedral de Armagh, encontradas em 1840 na Irlanda. Por isso Alban Arthuan (pronuncia-se AL-BAN AR-TU-AN) significa em galês “Luz do Urso” e é uma cerimônia interligada ao Solstício de Inverno. Honra-se a força arquetípica e totêmica sagrada dos ursos – considerados um dos animais mais semelhantes aos humanos e extremamente fortes. Uma tradição pré-cristã do País de Gales desse período é a famosa Mari Lwyd, um crânio de uma égua que representa o fantasma desse animal em busca de seu filhote, lembrando claramente a figura da soberania da Terra e da deusa Rhiannon. Na tradição, um grupo de pessoas portando um crânio equino ricamente enfeitado com sinos, olhos falsos e tecidos coloridos vão de porta em porta recitando poemas. Os donos da casa oferecem bebida, mas o grande objetivo é não deixar a Mari Lwyd ir embora. Então iniciam uma batalha de poesias e insultos em língua galesa ou inglesa, depende da região. Outra tradição era colher ramos de Azevinho para um tipo de boxe, do qual se podia bater nos braços ou pernas. Os que mais sofriam eram os mentirosos e os dorminhocos, que levavam uma surra de Azevinho por levantar muito tarde – uma relação clara com a hibernação.
Gwyl y Canhwyllau/Gwyl Fair
Calendário Nortista: 01 de Fevereiro
Calendário Sulista: 01 de Agosto
Gwyl y Canhwyllau (pronuncia-se GU-IL I KÁN-WIE-SHAI) significa em galês “Festival/Feriado das Velas” ou “Candelária” ou Gwyl Fair (GU-IL FE-AR) “Festival/Feriado de Maria”. É uma festa que comemora o inicio do desabrochar das flores e da renovação do poder da luz na natureza. Por isso, no País de Gales se fazem bênçãos às velas, cerimônias de vigília e procissões, práticas pagãs que se misturaram as cristãs. Na Irlanda é conhecido como Imbolc/Oilmec, um ritual relacionado à lactação das ovelhas, a deusa Brigite a Santa Brigit de Kildare. É também um período propício para adivinhações, principalmente as técnicas de divinação pelo fogo. Ainda mais que os costumes falam de um período de decisão, onde se envolvem pedidos e desejos de boas colheitas e bênção do gado contra as doenças. No País de Gales, as mulheres grávidas, ou as que tiveram filhos nos últimos meses ou ainda as que estão amamentando acendem velas consagradas a Virgem Maria. Outra prática comum está em acender velas nas janelas, decorar as casas com luzes e alimentar os animais antes do anoitecer, além de fazer as famosas cruzes de Brigit para proteger a casa, ornando lareiras, portas, fogões. E ainda havia canções e poemas especiais para essa época, que eram cantados pela noite. As luzes desse rito lembram a maternidade e a proximidade da primavera.
Alban Eilir
Calendário Nortista: 21 de Março
Calendário Sulista: 21 de Setembro
O ritual de Alban Eilir (AL-BAN EI-LIR) se ajusta ao equinócio de primavera e significa “Luz da Primavera”, se relacionando ao culto das damas e senhoras primaveris, do amor e da beleza, muito comuns em diversos mitos celtas. Podemos citar as divindades femininas das flores e primavera Blodeuwedd, Olwen e Creiddylad. O momento do equinócio representa o equilíbrio do poder do sol, pois está entre a energia escura do inverno e a força clara do verão. Por isso, muitas das tradições da primavera no mundo céltico giram em torno da batalha entre dois reis opostos, normalmente um jovem e um velho, pelo amor e beleza da dama da primavera. Blodeuwedd é disputada entre Llew Llaw Gyffes e Grown Pebyr. Olwen fica entre seu pai, o rei Ysbaddaden e o campeão Culhwch. E Creiddylad fica dividida entre dois guerreiros: Gwythyr ap Greidawl e Gwyn ap Nudd. As damas ou noivas da primavera são o arquétipo da transição das estações e sua decisão é importante para definir o ano e os nossos destinos, sendo elas mesmas a versão mais jovem da Soberania da Terra.
Calan Haf
Calendário Nortista: 01 de Maio
Calendário Sulista: 01 de Novembro
Calan Haf (pronuncia-se KA-LAN RRA-V), também conhecido como Calan Mai, é o “Primeiro dia do Verão” e assim como Calan Gaeaf, é considerado uma Ysbryd Nos (Noite dos Espíritos), uma período bom para fazer previsões, mas necessário tomar cuidado com os espíritos dos mortos e do povo feérico. As tradições desse período giram em torno da luta entre as duas estações, o Inverno e o Verão, que disputam uma dama, que pode ser representada pela Primavera. Um guerreiro portando plantas representando o Inverno, como o Espinheiro ou Azevinho, lutava contra outro que se vestia com Salgueiro ou Bétula, encenando a batalha das estações. Outro costume é o mastro, que é trançado com fitas coloridas, chamado no País de Gales por Codi’r Fedwen ou Y Gangen Haf, normalmente feito de bétula. Também em algumas regiões se realiza o Twmpath, onde as pessoas se reúnem em um campo ou colina para realizar jogos e danças, acompanhados de músicos ou bardos.
Alban Hefin
Calendário Nortista: 21 de Junho
Calendário Sulista: 21 de Dezembro
Em Alban Hefin (pronuncia-se AL-BAN E-VIN), do qual se traduz como“Luz da Praia”. Esse é o dia do ápice do poder do Sol, o dia mais longo do ano. A comemoração desse dia, em muitas localidades célticas está relacionada ao mar e as divindades que lá habitam. Os cultos à Dylan, Llyr, Manawydan fab Llyr / Manannán Mac Llir são realizados por diversos grupos nesse período, como também as musas das ondas, como Cliodna, Fand, Lí Ban, Niamh, Blodeuwedd. Por ser uma das esposas do senhor do mar no País de Gales, Rhiannon também pode ser cogitada para cultos. O poema Ellan Vannin, da Ilha de Man, considerada a casa de Manannán, pode nos dar um parâmetro de como o verão era bom e terno. Os mitos celtas falam de ilhas e planícies além da nona onda do mar, local para onde iremos depois dessa vida terrena. Isso também colabora do simbolismo da praia em ser um limite entre o mundo de cá e de lá, além de representar os três mundos (Terra, Céu e Mar) em confluência. Na Irlanda e no País de Gales o verão é uma época das fadas. Aine de Knockaine é considerada sua rainha, sendo que também foi mulher de Manannán nas lendas locais do sul da Irlanda, por exemplo. O verão é a beleza e a profundidade do mar juntas.
Gwyl y Cynhaeaf
Calendário Nortista: 01 de Agosto
Calendário Sulista: 01 de Fevereiro
Gwyl y Cynhaeaf (pronuncia-se GU-IL I KIN-AEV) pode ser traduzido como “Festival/Feriado da Colheita”. O mais famoso evento de poesia, cultura e literatura galesa é o Eisteddfod Genedlaethol Cymru (Nacional Eisteddfod de Gales) e ocorre no período da primeira semana de Agosto. Outros festivais relacionados à colheita e ciclos rurais acontecem nesse período, como Calan Oen ou Llamb’s Day e grupos neo-pagãos do norte também denominam essa época de Calan Awst ou Lughnasadh. Consiste em um período de jogos, negócios, poesia e festas relacionadas às colheitas de grãos e a produção de carne e derivados das ovelhas. É muito comum encontrar nesse período as Corn Dollies, bonecas ou ornamentos muito belos feitos de palha e grãos, que representam a associação com o período das colheitas e o trabalho com a cestaria. Em toda Europa é possível encontrar essa prática relacionada aos ciclos agrícolas e no País de Gales podemos encontrar o padrão Welsh Border Fan. Deuses como Lugh, Lugus ou Llew – associados ao brilho do sol e as colheitas – são os arquétipos de deidades mais cultuadas no período.
Alban Elfed
Calendário Nortista: 21 de Setembro
Calendário Sulista: 21 de Março
Nos dias próximos ao Equinócio de Outono, comemora-se Alban Elfed (pronuncia-se AL-BAN EL-VED), traduzido do galês por “Luz da Água”. Tradicionalmente, os celtas não possuíam um ritual ou costume que marcasse tão claramente esse período, embora perdurassem as festividades rurais da colheita com casamentos, negociações e jogos. A nomenclatura que é largamente utilizada pelos druidas modernos foi proposta por Iolo Morganwg, no século XVIII. No País de Gales ocorre nas proximidades do Calan Hydref, como também festivais tradicionais como o Wales Autumn Food Festival e a Cardiff Country Fair. Muitos praticantes ligam essa data ao mito presente no Mabionogion e nos contos arturianos, onde aparece um personagem chamado Mabon ap Modron que ajuda Culhwch (um Hércules celta) em suas tarefas para conquistar a jovem e bela Olwen. Se na primavera buscamos o aspecto feminino da noiva das flores, no outono buscamos nos conectar ao masculino representado pelos heróis – perfeito equilíbrio. Modron também é cogitada como uma deusa do Outono, uma matrona, “mãe tribal”, que é honrada pelas colheitas e antes de seu recolhimento natural.
As Maçãs de Calennig
Rito derivado de um acréscimo cultural
Calendário Nortista e Sulista: 31 de Dezembro à 13 de Janeiro.
Calennig (pronuncia-se KEL-Ê-NIG) significa em galês “Presente” ou “Primeiro Dia” e sua data de comemoração depende da localização e referência. As comunidades rurais mais afastadas do País de Gales ainda o comemoram através do calendário juliano, o que seria dia 13 de Janeiro, enquanto outras regiões realizam a tradição em confluência com o dia da véspera do ano no calendário comum. Os costumes dessa época do ano refletem principalmente a transição de ciclo e realizam-se entrega de presentes e votos de boas colheitas no ano vindouro. As Maçãs de Calennig são um dos símbolos mais clássicos dessa festa, consistindo de uma maçã encimada por um ramo verde e apoiada por três gravetos, podendo ser enfeitada com cravo-da-Índia. Crianças levavam suas maçãs de porta em porta e recitavam alguns versos desejando saúde e prosperidade para os moradores, enquanto que esses lhes davam pão e queijo.
Hugo Cezar Llewellyn Mawr
Professor de História e praticante da filosofia espiritual do Druidismo Moderno.
Nove Poderes
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Gorsedd Beirdd o Maracayu
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"Três velas que iluminam a escuridão: Verdade,
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