Rapto das Vacas de Regamain

Nó Celta

Táin Bó Regamna

CuChulainn, o grande herói épico irlandês, estava mergulhado no sono em Dün Imrid, quando ouviu, vindo do norte, um grito, diretamente em sua direção. Esse grito lhe pareceu feio e muito assustador, de forma que, acordando, caiu de sua cama como uma massa sobre o solo, na parte da casa voltada para o levante. Saiu sem armas, nem vestimentas, depois, quando estava no gramado, sua mulher, chegando por trás dele fora da casa, lhe trouxe suas armas e suas vestimentas.

Então ele viu Lôeg, seu cocheiro, que vinha de Ferta Laig, ao norte, em seu carro, ao qual estavam atrelados seus dois cavalos.

– “Que causa trazes?”, perguntou CuChulainn .

– “Um grito que atravessou a planície e que ouvi”, respondeu Lôeg.

– “De que lado vinha esse grito?”, retomou CuChulainn .

– “Do noroeste”, replicou Lôeg; “ele seguia a grande rota que leva a Caill Cûan” [1].

– “Vamos”, disse CuChulainn .

Foram, até Ath dâ Ferta[2]. Chegando lã, ouviram o barulho de um carro que estava ao lado de Grellcha Culgairi[3]. Então viram diante deles um carro ao qual só estava atrelado um cavalo vermelho. Esse cavalo tinha apenas um pé, o timão do carro lhe passava através do corpo, a ponta do timão saía do alto da testa do cavalo e essa testa sustentava o timão.

Sobre o carro estava uma mulher ruiva com duas sobrancelhas ruivas, um manto vermelho, uma túnica vermelha. Seu manto pendia entre as duas rodas de trás do carro e varria a terra. Perto do carro andava um homem de grande altura, uma túnica vermelha lhe embrulhava o corpo, trazia uma lança cinza e um forcado maciço de nogueira e empurrava à sua frente uma vaca.

– “A vaca não está contente de ser levada por vocês”, disse CuChulainn .

– “Ela não te pertence”, respondeu a mulher, “ela não é nem a vaca de um de teus amigos, nem de um de teus companheiros”.

– “Todas as vacas do Ulster são minhas”, replicou CuChulainn .

– ‘Tu decides assim que é proprietário da vaca”, replicou a mulher, “tu estendes a mão longe demais, CuChulainn “.

– “Por quê”, perguntou CuChulainn , “por que é a mulher que me dirige a palavra? Por que razão não é o homem?”

– “Não foi ao homem que você mesmo dirigiu a palavra”, respondeu a mulher.

– “É verdade”, disse CuChulainn , “mas se o fiz, é porque falas por ele”.

– “Este homem”, retomou ela, “chama-se Húar-gáeth-sceo Lúachair-sceo”[4].

– “Nossa”, gritou CuChulainn , “eis um nome espantosamente longo. Que sejas então tu a falar comigo, pois que o homem não fala. Qual é o teu nome?”

Então o homem tomou a palavra:

– “A mulher a quem falas”, disse, “se chama Fáebor, Beg-béoil, Cuimduir-folt, Scenb-gairit, Sceo-úath”[5].

– “Vocês me enlouquecem”, respondeu CuChulainn. Então, ele saltou no carro da mulher, pos seus dois pés sobre os ombros da mulher e lhe encostou a ponta de sua lança no alto da cabeça.

– “Não brinque com a ponta sobre mim”, disse ela.

– “Digas então teu verdadeiro nome?”, replicou CuChulainn.

– “Eu sou feiticeira”, ela respondeu. “É a Daire, filho de Fîachna de Cooley, que pertencia a vaca que eu trouxe,[6] eu a recebi como pagamento de um poema.”

– “Eu gostaria”, disse CuChulainn , “de ouvir esse poema”.

– “Eu te peço somente para te afastares”, replicou a mulher, “não há qualquer vantagem em te agitares como o fazes sobre minha cabeça”.

Ele recuou, mantendo-se porém entre as duas rodas do carro, e ela cantou seu poema. Quando terminou, CuChulainn se precipitou, querendo saltar sobre o carro dessa mulher, mas então não viu mais cavalo, nem mulher, nem carro, nem homem, nem vaca. O que viu foi que a mulher tinha-se transformado em um pássaro negro pousado em um galho perto dele.

– “Tu és uma terrível mulher”, disse ele.

– “Grellach ,ou seja, lama”, respondeu ela, o nome da localidade onde estamos, “se chamará agora Grellach Doluid, quer dizer Lama Insuportável”.

Desde então se disse sempre: Grellach Doluid.

– “Se eu soubesse que eras tu, Badb, Deusa da guerra”, retrucou CuChulainn , “não seria assim que nos separaríamos”.

– “O que fizeste”, disse ela, “trará o mal para ti”.

– “Nada podes contra mim”, respondeu CuChulainn.

– “Eu posso tudo, é inevitável”, replicou a mulher. “Eu sou e serei protetora da morte pela qual sucumbirás, trouxe esta vaca do palácio dos gênios de Cruachan para fazê-la cobrir pelo Negro de Cooley, ou seja, pelo touro de Daire, filho de Fîachna. Tu estarás vivo até que o vitelo que está no ventre desta vaca tenha atingido a idade de um ano. Será ele que ocasionará o rapto das vacas de Cooley.”

– “Tornar-me-ei mais célebre graças a esse rapto”, disse CuChulainn . “Matarei seus guerreiros. Serei vencedor em suas grandes batalhas. Sobreviverei ao rapto das vacas de Cooley.”

– “Como o poderias?”, respondeu a mulher. “Na ocasião do rapto das vacas de Cooley deveras bater-te contra um homem tão forte, tão vitorioso, tão sagaz, tão terrível, tão infatigável, tão nobre, tão grande quanto tu. Eu serei uma enguia, eu me enroscarei em torno de teus pés no vau, o que será de grande dano para ti.”

– “Eu juro”, retrucou CuChulainn , “eu juro pelo deus que juram os habitantes do Ulster, eu te esmagarei contra as pedras verdes do vau, e tu não obterás jamaisde mim tua cura, se tu não me deixares tranquilo”.

– “Eu serei”, retomou ela, “uma loba cinzenta que virá te atacar, eu te morderei a mão direita e te devorarei até o braço esquerdo”.

– “Quando te aproximares”, respondeu CuChulainn , “eu te surpreenderei com minha lança, te atingirei na cabeça e te furarei um olho, seja o esquerdo, seja o direito; e tu não obterás jamais de mim tua cura, se tu não me deixares tranquilo”.

– “Eu serei”, disse ela, “uma vaca branca de orelhas vermelhas; irei à água perto do vau, quando estarás ocupado em combater o homem que é tão destro quanto tu; e cem vacas brancas de orelhas vermelhas me seguirão. Nós nos precipitaremos atrás de ti no vau e nesse dia manifestar-se-á a verdade sobre os guerreiros: tua cabeça será tomada”.

– “Eu te lançarei”, respondeu CuChulainn, “uma pedra de minha funda, teu calcanhar esquerdo ou teu calcanhar direito será quebrado e tu só serás socorrida por mim se me deixares tranquilo”.

Depois Badb, chamada também Morrighan, a Deusa da morte, partiu e CuChulainn voltou à sua casa. E ela disse, enigmaticamente: “Eu vigio sua morte”.

[1] Porto do Bosque.
[2] Vau das Duas Maravilhas.
[3] Lama do barulho dos carros.
[4] Vento muito frio, caniço.
[5] Cortante, lábios pequenos, pequena cabeleira ou farpa curta.

Rowena A. Senėwėen ®
Todos os direitos reservados.

Fonte bibliográfica:
Os Druidas – Os Deuses Celtas com Formas de Animais
Henri D’Arbois de Jubainville

"Três velas que iluminam a escuridão: Verdade,
Natureza e Conhecimento." Tríade irlandesa.

Nó Celta

Cat

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